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O RESGATE-PARTE 1

Era um resgate de si. Uma tentativa de se salvar. Tudo o que era importante estava caído no esquecimento, só se lembrava dos paradoxos camuflados de felicidade.
Respirou fundo, ajeitou a camisa, jogou os cabelos pra trás e entrou.

-Boa noite, vim me matricular na aula de dança! – disse com a voz trêmula, tentando me mostrar segura. Por anos eu não sabia o que era isso, dentro de minha prisão particular.
- Claro, hoje é seu dia de sorte! Começou uma turma nova na sala 7, faz uns 15 minutos! Gostaria de se juntar a eles? – respondeu-me o atendente sorridente.
Fiz a matrícula e subi as escadas, acompanha dessas garotas fitness super empolgadas de academias, com polainas coloridas e um perfume enjoativo. Ela não parava de falar, não se sentia desconfortável com minha cara apática e meu silêncio quase constrangedor. Chegando na sala, a tal entra na frente, com toda sua deselegância efusiva e grita: “Olha quem chegou!! Uma salva de palmas para nossa mais nova aluna...” apontando descaradamente para mim. Vadia, pensei. Sorri e entrei na sala. Todos ficaram me olhando...
Coloquei minha bolsa em um banco cheio de malas, fiz um rabo de cavalo e me juntei aos outros.
Um professor charmoso, enfatizo novamente, MUITO charmoso me deu boas-vindas e prosseguiu sua explicação. Ele ainda estava na teoria e falava sobre o beneficio da dança. Doces palavras que acalentavam minha alma. Eram esses benefícios que eu tinha ido buscar. Alguns minutos e as duplas já estavam formadas. Eu sobrei, claro. A café com leite nos “Bobinhos” da escola? Eu. Não sei se é minha timidez absurda, quase um grau de autismo ou minha cara de antipática, o fato é, as pessoas pensam dezoito vezes antes de se aproximar de mim. Ruborizei com a cena.
Antonio, o professor charmoso, chegou sutilmente em meu ouvido e disse: “Que sorte a minha! Você será minha parceira” me tomando pela mão e me encaminhando ao centro da roda. Mil borboletas debelaram meu estômago e sucumbiram meu equilíbrio emocional; Se antes ruborizada, agora estava quase transpirando sangue. Ele me enlaçou com os braços e disse novamente em meu ouvido, quase em um sussurro: “Confie em mim, querida!”...


To be Continued...


VITAL,V

Comentários

  1. hahahahaha....essa Maria Clara me apronta cada uma....
    Alias...cadê ela?
    L.

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Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa