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Mostrando postagens de 2017

Inquérito

Ela é maluca! - gritava a vizinhança. Essa garota, nem tão garota, devia se tratar.  Veja os cantos das unhas roídos.  Veja! Ela é pura ansiedade.                    Mulheres de verdade são estáveis, comedidas e tranquilas .  Ela é pura insegurança.                    Mulheres de verdade são resolutas e inteiras, não lhes falta nem um pedaço, nem uma lacuna ou chaga aberta. Ela é puro desequilíbrio.                  Mulheres de verdade são discretas, sóbrias e circunspectas. Mantém a pose, o prumo, o salto... Ela é pura concupiscência escorrendo pelas coxas num cio latente e constrangedor. Mulher de verdade é recatada, é calada, comportada e doutrinada:  sensatez,                        mais uma vez                                                                                                            -frigidez. Ela é toda ao contrário, do avesso, escrachada, barulhenta, desbocada, fanfarrona, farofada, topetuda, debochada, arredia, depravada, encrenquei

Regresso.

Durante uma vida achei que meu cheiro preferido fosse o de livro novo. E de fato era...                                      Descobri o cheiro das minhas páginas novas. É meu predileto agora. Aos clichês peço licença, aos  excêntricos peço desculpas, mas que delícia os “inicios”, não? Estou falando de se reencontrar, de se entender, de se gostar, de se cuidar, de se perdoar, de se olhar e principalmente:                                                 SE PERTENCER!  Vai, toma posse do que é seu! Tem cacos seus pelo chão?                                                   Repare como na luz eles brilham - Formam um arco-íris . É do seu interior. Recolha-os. Um a um. Sem pressa... Cuidado com os dedos, eles cortam.                  Ainda há sangue neles. O seu...                                                       O meu.                           Daqueles que já lutaram por nós.                                                       

rosa amarela.

Eu esqueci como se volta para casa. Eu não moro mais em mim... Eu morava em ti e nem sabia. Estou na rua, buscando um novo lar. Viver na história do outro a nossa própria é no minimo, desvario. Eu não reconheço os meus passos. Por anos eu caminhei de cabeça baixa, segurando firme sua mão. Eu não lembro dos caminhos. Por anos eu dormi tranquila no banco do passageiro. Eu não sei qual o meu rosto. Por anos eu me via através dos seus olhos. Eu não distinguo meus sabores. Por anos eu absorvi apenas os seus. Eu nem sei sequer o que de fato é meu... Nem ao menos, quem sou eu. Mas estou aprendendo... A duras penas, com agrura e relutância, eu estou percorrendo. O barulho da solidão, que é silêncio fora e balbúrdia dentro, me acompanha dia a dia, noite a noite, hora a hora, gota em gota. Você sabia que haviam flores em mim? Sim! Encontrei uma perdida dia desses. Ela me contou que existem outras. .. Eu debochei. Você nunca às viu. Eu, por conseguinte, também não. E

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

no abraço.

Você é inteiro abraço. Me abraçou de um jeito único. Não só corpo e enlaço. Abraçou o meu todo e ali ficou. Ainda diz baixinho bem pertinho, que meu jeito te encantou. Não pareceu ter medo, engraçado. Calejada de quem vem, entra e sai do coração, deveras despedaçado. Você não. Você nem me perguntou. Chegou, entrou, plantou, mudou:  meu rumo, meus planos, meu caminho e o meu amor! Você é nirvana calmaria, é fleuma do desassossego, é reggae esquisito pelo qual já tenho apreço. Teu contorno em minhas curvas faz meu mundo mais bonito e meus textos decorados, agora todos reescritos. Enroscada nos teus braços, eu regalo meu cansaço dos caminhos percorridos exaustivos fatigados. Me encontro, me remonto, me desmancho, me refaço. Tuas mãos percorrem livres destemidas no meu torso, me enlouquece, me desbrava, me entorpece, me arrepia, que delícia...  Me umedece! Nosso choque não machuca, não corrói e não devasta. Ele cura, ele une, nos atrai e nos arrasta.

que nem mocinha.

Tira a mão daí. Cacá. Sujo. Feia. Senta que nem mocinha. Fechas as pernas.                                       [ os olhos, a mente e principalmente a boca. ] Olha a postura.                                      Encolhe a barriga. Anda direito.                                                     Controla a emoção.  Engole esse choro.                                   Não come esse pão. Não reclama. Você não é qualquer uma. Quer acabar que nem ela? Nem pensar, não tem idade pra isso. Não acha que já passou da idade? Está chegando na idade de... Veja fulana, repare em sicrana. Olha pra você. O l h a p a r a v o c ê. Mesmo? Ou olha pra quem querem que seja? Olha para fora, jamais para dentro. Não ouse... Abusada!                                                    [ estou sendo, não aguento...] Isso não é papel de mulher. Como quer que ele te queira?                                                    [ não quero... ]

Embarque e desembarque.

“Senhores passageiros, boa noite. Este trem inicia sua operação com destino à... Pra onde quer ir?” São Paulo. Consolação, Sé, Republica, Tietê, Tucuruvi, Vergueiro ou Pinheiros, tantos faz.   {3,7 milhões de usuários por dia – isso cresce de mil em mil com o passar das horas – nos metrôs de São Paulo.} Eu estou parada contemplando tantas formas, tantas tonalidades. Tantas... Basta o mínimo de sensibilidade para ser invadido com a pungente energia dos corações ansiosos – e talvez angustiados – a aguardar. Olhos atentos, semblantes enervados, músculos tensionados, mãos transpirando, náuseas ansiosas, corações vertiginosos e expectativas; [ Ah! As E X P E C T A T I V A S . ..] Essas mesmas que embevecem todo o ar. ➻ Já perceberam o tanto de encontros que se dão nas estações de metrô? Essas linhas que se cruzam estritamente abandonam a alegoria e  se entrelaçam em novos nós. Nós esses que se sublimados se dão em airosos laços afetivos e emocionais.

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

Lutar (se)

Vivo dilemas utópicos quase arbitrários pelo simples fato de vivê-los, entende? Não?! Deixe-me tentar explicar.. Drummond disse-me uma vez que  só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo. E não? Ora pois, não há nada mais lancinante e intimamente mordaz do que o auto- confronto.                                                                                                                                                          [diário, estafante, precípuo...] Em uma vida de lutas, nossas contendas  arremessam-nos às quedas, mas também nos impulsionam a emergir de forma insólita.  Me desmontam, desmantela-me; isso é bom! Uma constante provocativa gera cócegas no  interior. Uma inquietação progressiva a qual tenho grande apreço. quase nunca é agradável. Encarar-se requer coragem, corajosos são os que encaram-se.  Me coloco em xeque, aponto o dedo pro espelho, pergunto: { "Qualé? "}; refuto-me,  contradigo-me, contesto-me, impugno-me, desminto-m

Lobo Mau

Ele é o típico cara babaca, sabe? Daqueles que tem o mundo todo envolta do umbigo milimetricamente posicionado no abdome trincado. Aqueles caras que aparecem na nossa vida da  forma mais cliché – e avassaladora - possível. São odiáveis, desprezíveis, repugnantes e tão, mais tão...Charmosos. Odiamos tudo o que é proferido daquela boca linda, com dentes perfeitos, queixo quadrado e hálito fresco. As ideias são retrógradas e os ideais falidos, mas são expostos com tanta convicção que é inevitável ao coração: nos rouba o ar , a calma e a atenção. É do tipo que nos afronta, desafia, amedronta. Nos faz querer “consertá-los”. Coitados! Não são dignos de sentimento ou afeição, mas tem a pele tão quente a ponto de nos aquecer – e umedecer - num simples “Oi” ou num aperto de mão. Os olhos não dizem nada sobre a alma ou coisa parecida, mas queimam de malícia e sarcasmo; adentram e invadem, arranca-nos o senso, os medos, o prumo, a roupa. Driblam a sanidade, entre saliva e pescoços, nos

Não posso fazer nada.

Ela estava chorando de fronte ao espelho. Eu entrei, me dirigi a pia, deixei a necessaire em um canto. A olhei pelo reflexo, com ar desconfiado. Ela lavava o rosto com tanta força, que me dava a sensação de estar tentando arrancar pela pele, tudo aquilo que lhe valiam as inúmeras lágrimas. Fui ao banheiro em silêncio, como se não quisesse que meus pensamentos atrapalhassem a dor dela. Retornei ao espelho, e enquanto lavava as mãos, ainda acompanhava o processo- ou tentativa – de melhora e recomposição daquela jovem. Ela estava brava com aquela lágrima que insistia em rolar, pesada, tão pesada quanto a barra que ela devia estar segurando. Ela era forte, dá pra saber quando não  quer entregar-se. É um choro doloso, contrariado, contraído,  constantemente sabotado. Eu sentia cada segundo mais, que ela não podia sentir tudo aquilo. Mas não fazia sentido. Estava ali, estava aberto, estava doendo e doendo muito. Os suspiros silenciados eram ensurdecedores, as mangas molhadas gelavam