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O RESGATE - PARTE 2

(...) Voluteando no salão, era misto de vertigem e delírio! As mãos firmes de Antonio me mantinham junto a seu corpo. A cada passo, ainda que desajeitada, me sentia mais dentro de mim, como se mergulhasse em águas profundas da minha alma. Foi uma experiência cósmica aquelas horas. Ouvia comando duros, com voz de veludo em meu ouvido. Acho que no fundo é o que toda mulher anseia. Voz de comando, mascarada de afeto. Terminamos a dança face a face, ofegantes, olhos fixos como imãs. Não sei se é devaneio ou romantismo da minha parte, mas houve ali uma atração mutua, mas se esvaiu em segundos logo após meu boicote – desviei o olhar e soltei sua mão -.
Todos se despediam calorosamente, eu simplesmente recolhi minha bolsa, meu casaco, soltei o cabelo e sai em disparada. Tudo aquilo, ou nada daquilo, havia me perturbado demais.
Cheguei em meu velho apartamento, cheio de livros e plantas esquisitas. Arrancando a roupa da porta de entrada até o banheiro, como de costume, fui direto para o banho, resfriar o corpo que há tempos não fervia assim.
Assim se sucedeu nos dias seguintes, as horas arrastadas no trabalho eram a pedra no meu caminho para chegar até a aula, e o final de semana se aproximava e o pânico de não me movimentar junto ao corpo de Antonio já tomava conta de mim. Na sexta-feira, era uma aula especial, onde casais profissionais se apresentavam para os alunos. Cheguei atrasada, toda descabelada e destrambelhada, sentei no chão, encostada na parede e fui me ajeitando, afinal todos estavam olhando para mim. O casal de argentinos, contavam sobre a história deles na dança e no amor, fiquei tão envolvida com eles, que no momento em que se apresentaram dançando para nós, não contive as lágrimas. Eu havia passado maus bocados nos últimos anos, que duvidará há pouco tempo atrás, estar viva ali, sentada e apreciando tamanha beleza que se punha naquela dança;
A aula foi divertida, Antonio estava especialmente lindo naquela noite, um sorriso indecente, me fazia sentir a vontade para sorrir também. Ele brincava comigo, dizia que tinha pés dançantes e que adorava a entrega que eu lhe confiava na dança. Eu somente sorria, tímida e boba, mas se ele pudesse ver a festa de cores e emoções que ele causava no meu interior, talvez tivesse noção do que significava para mim.
Minha vida era muito excitante, rotinas de banco em horário comercial e finais de semana vendo séries na TV com meu gato. Só!
No fim da aula, o grupo se reuniu para ir em um jantar dançante beneficente. Eu, claro, já estava com minhas coisas nas mãos, enchendo minha garrafa d´agua no bebedouro quando Antonio se aproximou por trás e disse:
- Você vem conosco não é? – Me assustei. Estremeci. Não conseguia falar com ele, muito menos encara-lo com a musica desligada. Engasguei e gaguejando respondi. – Não, vou para casa! Não gosto muito de sair!- Ele olhou com ar de reprovação e sob voz de comando informou: - Não gostava! As 23:00 passo na sua casa, esteja pronta! Você vai e vai comigo.- E me deu de ombros.
Completamente atônita sai cambaleando da academia, assimilando o que acabara de acontecer. Ele ia passar na minha casa e sairíamos? Eu não estava pronta para nada disso. Ele estava interessado em mim? Impossível! Não tínhamos absolutamente nada em comum. Só sei que a voz de comando dele tinha muito efeito sobre mim e as 22:40 estava pronta e insegura, bebendo uma cerveja antiga que tinha na geladeira, aguardando ansiosamente a chegada de Antonio.
22:58 uma mensagem no meu celular:” Desça querida, estou aqui em baixo.” Uma dúvida, como ele tinha meu celular e meu endereço? Apanhei meu casaco e chamei o elevador.



To be Continued...

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