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O RESGASTE - PARTE 6

Já no hotel, desfizemos nossas malas, tomamos um banho e fomos ao encontro da família de Antonio, que nos aguardava em um jantar de boas-vindas.
Chegando ao restaurante, sua mãe nos recepcionou calorosamente, me envolvendo em seus braços e me acompanhou até a mesa. Apresentou-me como sua nora e mesmo com o coração quente, sentia um frio no estomago e uma pontada no rim que me incomodavam.
Todos foram muito gentis, bebemos e comemos até tarde, riamos como velhos amigos e eu me sentia a pessoa mais feliz do universo. Meu amor por aquele homem e tudo o que rodeava só aumentava. E com ele, o meu medo.
Após o jantar, a irmã de Antonio nos convidou para uma festa típica da cidade, essas bem tradicionais de interior. Topamos na hora, e eu me via sociável e agradável, com um sorriso escancarado a todo tempo. Antonio não desgrudava de mim um segundo que fosse, dizia em meu ouvido o quanto eu o fazia feliz. Meu êxtase se transfigurava em jubilo.
Na roda gigante, bem lá em cima, Antonio disse com o coração e os olhos cheios de tudo: “Anne, minha querida, quer namorar comigo?”. Eu não podia levar aquilo em frente, mas sem dizer uma só palavra, beijei-o com fervor.
No sábado passeamos pela cidade, andamos a cavalo, nadamos no lago, nos amamos em várias cenários diferentes. Antonio dizia que eu era quente e isso despertava uma vontade incontrolável de derreter aquele homem. Me entregava cada vez mais a nossa intimidade compartilhada. Perto da hora do casamento, já no salão com as mulheres da família, um senhor que acompanhava sua esposa não parava de me encarar. Minha sogra já estava incomodada com a situação, levantou e perguntou se o homem estava com algum problema. O senhor disse de forma irônica: “ A senhora que devia tomar cuidado com o tipo de gente que traz para dentro de sua casa.” Eu encolhi na cadeira e me perdi dentro de mim.
No casamento, sentia os olhos da mãe de Antonio, desbravando os meus, como se quisesse me desvendar. Antonio percebeu que não estava bem, mas como de costume, não fez perguntas. Segurava minha mão com firmeza e me abraçava contra o corpo. Fui me acalmando e me distraindo com a felicidade dos recém casados. Na festa, demos nosso show, fizemos uma apresentação de dança linda, em homenagem aos noivos. Resolvi beber, pois queria ter uma noite bem quente com Antonio e o álcool sempre foi meu alicerce. Algumas doses e eu já estava fora de mim, comecei a dançar e Antonio me observava me instigando. De repente as madrinhas subiram no balcão do bar para dançar, uma delas me puxou para cima e começamos a sensualizar. Quando eu vi, já estava com o vestido levantado, cabelos soltos e rebolando de forma bem vulgar. Em determinado momento, um rapaz jovem, tirou uma nota de cem reais e tentou colocar na minha liga. Eu me assustei e cai de cima do balcão. Antonio veio rapidamente e partiu para cima do rapaz. A confusão se instaurou e todos começaram a intervir. Eu fiquei atônita jogada no chão, quando o rapaz, após ser apartado gritou:” Você traz uma prostituta pra festa e não quer deixar ela trabalhar!”. Todos pararam e me olharam.


To Be Continued...

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa