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O RESGATE-PARTE 4

Antonio estava com o supercílio aberto e sangrava muito. Calcei seu braço em meus ombros e o levei para fora do salão em poucos minutos. Todos tentavam ampará-lo, mas tomei posse dele e o arrastei para o carro. O coloquei sentado no banco do passageiro, abruptamente arranquei a chave do seu bolso e sai cantando os pneus.
- Para onde está me levando? – resmungou, meio grogue. – Para o hospital, claro!
- Não, por favor, não quero ir! Me leve para minha casa, só preciso de um curativo, foi um corte superficial! – Hesitei, mas ele insistiu tanto que acabei levando-o para meu apartamento.
Carregando-o praticamente nos braços, entramos no meu mausoléu. Estava uma bagunça sem tamanho, reflexo da minha vida.  Como eu havia me aprontado rapidamente para sair, haviam roupas e sapatos espalhados pelo chão. Não era a impressão que queria causar ao meu amado mas devida as circunstância, era o que tínhamos.
Coloquei ele acomodado na minha cama, ainda zonzo enquanto pegava meu kit de primeiros socorros. Quando voltei para o quarto, Barrabás, meu gato, estava em cima da barriga de Antonio, ronronando em estado de êxtase. Congelei naquela cena e senti meu coração queimar em brasa. Eu estava realmente envolvida com ele.
Sentei-me na beira da cama e com toda a sutileza que me cabia, comecei a cuidar dos ferimentos de Antonio. Em silêncio, encarava-me nos olhos, hora ou outra mirava em minha boca, me fazendo ruborizar. Nos mantivemos assim por um tempo até que quebrei o silêncio indagando:
- O que houve na festa? Para chegar nesse extremo? – Ele tentou desviar o assunto, parecia constrangido, mas eu insisti de forma eminente.
- Um homem te ofendeu, perto de mim!  Não me contive, perdoe-me!
Meu sangue gelou e me afastei como num sopro. – O...o q- que ele disse? – perguntei com a voz falha e trêmula.
- Bobagens querida! Inverdades sem sentido... Venha cá, fique ao meu lado! – me acalmou estendendo a mão para mim, que parecia um gato acuado no canto do quarto.
Sentei-me novamente ao seu lado do outro lado da cama, recostada de lado, ainda finalizando o curativo da sobrancelha.
- Eu estou completamente vidrado em você Anne! – disse-me já me puxando contra o peito e beijando-me com loucura. Meu corpo explodiu em erupção e depois de tantos anos, ele desejava com veracidade um homem. De uma forma surreal, tomei conta da situação, parti pra cima de Antonio sem me preocupar com seus machucados e nos amamos de forma insana  e intensa, várias vezes naquela noite. Adormecemos em um encaixe perfeito e eu pedia a vida, para que se me levasse, que fosse naquele instante, pois era o mais sublime que já tinha vivido.

Na manhã de sábado, acordei Antonio com café na cama, já tinha colocado a casa em ordem e estava vestida com sua camisa, pois eu adoro esse cliché.
Antonio era tão carinhoso, conversamos durante horas deitados, ele já se sentia melhor, ficamos nos curtindo, nos sentindo, trocando energias. Ele dizia o quanto eu era linda e sexy e eu ria de tal piada. Mas no fundo, bem lá no fundo, era assim que eu estava me sentindo.
Tomamos um delicioso banho juntos e ele foi para a casa com a promessa de que jantaríamos naquela noite.
Encarei-me no espelho e percebi que tinha seios bonitos e uma pele boa, que meu cabelo jogado para o lado ficava harmonioso, que mesmo magrinha a curva das minhas costas era bem definida e que minha cintura era acentuada. Viajei em poses e caras e em questões de segundos, voltei ao passado e cai de um penhasco altíssimo. Sumi o resto do final de semana.


To be Continued...

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa