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Nossa Eternidade

Desenhamos formas no ar, as pontas dos dedos dançavam entre o nada, de forma desajeitada, se tocavam, entrelaçados, unindo ali, energia singular.
Ele tinha um cheiro bom, mas o hálito dele era o que encantava, tinha um adocicado quase enjoativo, que me dava uma pontada no fundo da garganta. Ele falava baixinha, com uma rouquidão de arrepiar cada fio do meu corpo. A pontinha do nariz gelado, roçava carinhosamente pela minha face, causando choque térmico na minha pele fervente. Dizem que não temos controle sob as horas, mas naquele momento, eu sei que os minutos congelaram tamanho frio na minha barriga. O ar era denso, nossos movimentos em câmera lenta, o quarto escuro estava iluminados pelas luzes da cidade que não dorme. Os corpos estavam exaustos, nus, suados, ofegantes e em nó. Não se sabia onde começava um e terminava o outro, e na boa? Eu não queria descobrir.
Eu não sei se era Chico ou se era Caetano, mas era bossa, era blues. Risadas eufóricas, câimbra nas bochechas, silêncios cheios de tudo, olhares desbravadores, que me invadiam e fuzilavam.


Eu só queria não sair dali, nunca mais, deitada naquela cama, ver aqueles fios acobreados se tornarem brancos entre meus dedos, sentir aquela pele lisa e húmida, enrugar entre minhas pernas, segurar aquelas mãos firmes até ficarem trêmulas. Eu queria o pra sempre ali, só nós dois. Aquele universo impar, nosso, supria todas as necessidades e anseios do meu corpo e alma. Mas fracos, adormecemos e não conseguimos segurar o tempo entre nós e ele passou.

Vital,V.

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Eu chorei pelo sistema.

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E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa