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Vencida por um Sorriso - Parte 3

Sorriso desceu do carro em prontidão, me olhou nos olhos por alguns segundos, senti seu hálito quente bem próximo a minha boca, causando um misto de sensações como calafrios e arrepios, simultâneos a um fervor que tomou conta de todas as partes do meu corpo, amolecendo-me por completo.
Entrei em seu carro calada, constrangida e muito, muito tensa.
Sorriso ligou o som e partimos; sem rumo, sem prumo, sem nada.
No caminho conversamos como se nada de muito estranho estivesse acontecendo, falamos sobre o escritório e problemas com fornecedores. Ríamos por qualquer bobagem, naquele riso incontrolável de vergonha absoluta.
Paramos em um restaurante refinado, aparentemente um bistrô, quando perguntei:

- É aqui que vamos?

-Sim, escolhi o melhor restaurante da cidade! – disse já desatando o cinto do carro.

- Desculpe, mas não gosto desse tipo de ambiente! Não sou como as garotas finas que você costuma sair, mas tenho que ser sincera, não sei nem o que pedir em um lugar desses! – respondi impetuosa e sem filtro. Que droga. Uma estúpida.

- Nossa, desculpe eu só quis agradar, fiquei pensando onde levar você e achei aqui tão assertivo...” – gaguejou constrangido.

- Entendo, desculpe, mas podemos tomar uma cerveja em algum PUB, algo mas informal, estou de jeans, me sentiria melhor!

Vi os olhos de Sorriso brilharem e a saliva descer a seco. Ele riu e coçou a cabeça.

- Você é muito autentica!

Sorri e seguimos.
Chegamos em um PUB pequeno, no centro da cidade, pedimos uma cerveja e começamos a conversar.
O papo fluiu misticamente bem, tínhamos um timing de arrepiar, ele mais inocente, eu um pouco mais sagaz, mas mesmo assim nos encontrávamos.
Já estava um pouco zonza, há tempos não bebia, achava graça de tudo que Sorriso falava, a forma como interagia com os garçons, as observações sobre as músicas nada convencionais, eu gostava cada segundo mais dele, era um crescente em disparada, tinha vontade de me arremessar nos braços dele e em toda a imensidão de bondade que eu enxergava em minha frente.
A abordagem dele era sutil, quase subjetiva, não conseguia ler o que ele queria de mim, suas intenções não eram claras, mas fossem quais fossem, as minhas com ele, ah dessas eu não tinha dúvidas.
Levantei para ir ao toalete, quando um rapaz me abordou, com aquele papinho de boate, eu me desvencilhei, mas em questões de instantes Sorriso já estava me abraçando por trás e perguntando se havia algum problema. Sai as pressas com ele dali e perguntei que maluquice era aquela. Ele meio tonto disse:

-Fiquei com ciúmes, desculpa!


Dei risada, vibrei e puxei-o para dançar. Eu queria muito ser dele.

To be Continued...

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa