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Um pouco mais de tempo...

“Em um bar com alguns conhecidos (uns mais outros menos!) ouvia atentamente o assunto da rodada,- entre uma cerveja, outra e mais outra-, os anseios de cada um ali. No bar, todos sorriem, ou choram, mas todos são “muito”. Sempre me questionei o porque dessa efusão causada por uma mesa cheia de copos, rodeada de cadeiras. Há ali uma energia intensa que absorve e suga o que temos de melhor e pior. Enfim. A moça de blusa clara e cabelos encaracolados ansiava a remoção de uma tatuagem, caso antigo, erro adolescente, dizia que era o que mais queria, apagar da pele lembranças que machucavam. Tolinha, mal sabia ela que o que ela queria apagar estava na alma e ali, laser algum alcançava. O bonitão de camisa social, já pra fora da calça, falava de politica e o quanto o Brasil não tinha condições de ser berço para jovens promissores. Ele queria morar em NY, ganhar dinheiro e trocar de carro. Ali fui observando o que era prioridade para cada um. Um rapaz magrelo e esquisito, mas com um sorriso charmoso, amigo de uma amiga, foi um pouco mais além, ele queria grana pra montar um abrigo para animais abandonados. Ele realmente se sensibilizava com a questão, doía essa sensação de impotência e atiçava nele uma gana de reverter. Percebi risos de sarro, olhares trocados entre os ambiciosos da mesa. Eu olhei para ele, sorri e consenti com a cabeça; Isso também me dói!

Bons empregos, bons partidos, boas aquisições, boas transas, boas atualizações em redes sociais, corpos perfeitos, filhos lindos e um labrador amarelo. Na montanha-russa da troca de desejos, quase vazia, ninguém ali se importava realmente com o que o outro queria, mas a condição de poder falar de si é aturar o outro, me questionaram: “- E você, Vick? Diz ai, o que quer dessa vida?”

Parei, olhei e falei sóbria:”-Tempo!”. Todos riram, esperando minha boa e velha tirada sagaz rotineira. Mas a piada bem sacada não veio. Dei um gole na cerveja, desceu quadrada e continuei: “- Eu só quero tempo pra poder fazer todos esses planos, porque se não tivermos tempo, tudo isso cai por terra! Eu quero de tudo um pouco, todos os cheiros, todos os sabores, todas as pessoas, todos os medos, todos os erros, todas as sensações, quero de tudo um pouco, sem fugir de nada! Não quero ser poupada, não tenho restrições... Eu só quero um pouco mais de tempo!”. Minha amiga, sem entender, juntou o celular junto a chave do carro e disse: ”O papo está bom, mas tenho que ir!”. Assim, todos foram se levantando, um a um, com uma desculpa aqui e outra acolá. Me senti mal por ser o balde de água fria da noite. Mas que merda, eu e minha impulsividade. Na mesa, ficamos eu e o rapaz esquisito. Dessa vez ele me olhou, sorriu e consentiu. Talvez ele também desejasse mais tempo.”

Vital, V.

26/09/2014

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa