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Saudade

"Seja quente ou seja frio, não seja morno que eu te vomito."
Apocalipse 3:15-16

Acho que este é o ponto onde mais me assemelho a imagem de Deus. Eu repudio coisas mornas, com todas as minhas forças e vísceras.
Ou arde ou congela. Sempre fui extremista, corajosa em sentir toda a intensidade de todas as sensações disponíveis a mim. Até chegar no meu calcanhar de Aquiles...
A saudade!
Peninha foi muito tolo quando disse que “saudade é melhor do que caminhar sozinho”! Mentira! Saudade é o pior tipo de solidão, é aquela que nem a multidão pode suprir.

Está ai um sentimento que não faço a menor questão de absorver, viver, me entregar! Sou covarde quando se trata dessa “zinha”.
Oh bichinha pra machucar, corroer, atormentar. Sei que saudade é ainda mais densa do que um “I miss you” e quase impossível escrever sobre ela! É como uma coceira que fere.
Um peito cheio de saudades perde espaço para todos os  outros sentimentos. Ela domina, revira, sufoca...Ah,desculpe, estou sem ar. Ela preenche o espaço daqueles que foram.
Sinceramente, ciúmes e saudades são os meus “demônios”, que tornam-me ridiculamente humana. Me dão medo, me causam vertigem. É o desbaratino que não me satisfaz.
Por Deus, preciso tanto de você aqui, no abraço, no nosso laço, por Deus, eu preciso respirar aquele ar que se dá, quando respiramos um para o outro.
Saudade do riso que só eu despertava e aquele que só você me arrancava, mais saudade ainda daquele que compartilhávamos. Saudade do tempo futuro que traçamos e interrompemos, saudades da irritação que o timbre da sua voz irônica causava no meu estomago, saudade da sua sobrancelha levantada em sinal de reprovação e quando calava minha boca e me fazia pequena, entre nossa cama e o chão.
Sinto falta do que foi, do que não foi, do que poderia ter sido e do que eu achei que fosse, cabe tanta falta dentro de mim, que chego a suspeitar que outros sentimentos tenham com você partido dilatando esse espaço. Sinto falta deles também.



Vital, V.




Comentários

  1. Aguardo friamente o dia em que encontrarei alguém num restaurante, com uma turma barulhenta e divertida. Entre sorrisos e gargalhadas, um garçom cutuca seu ombro e lhe entrega um bilhete: "Be strong. L."

    Ao olhar pra traz, nem se quer o cheiro ou a sombra encontrará. No canto do seu rosto, um sorriso enigmático acompanhado de um suspiro e um filme em seus olhos. Ela olha pra frente e continua a papear, como se nada tivesse acontecido.

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  2. 2009 - sexta-feira de junho, alguma bem fria.A boa memória é sua, nunca foi minha.rss

    Louveira, interior de SP, uma garrafa de Vina Seña como sempre e seu violão esfolado. Vc falava sem parar, dedilhando aquela musica, como chama mesmo? Aquela do Adam que você adora? Enfim, vc me disse algo que carrego comigo até hj ( vale ressaltar que vc escoe entre dos dedos como agua)
    Disse “sinto saudades do que ainda nem vivi, com a sensação de que nem conseguirei viver, mesmo estando aqui, não cheguei verdadeiramente até o hoje.”
    E nunca chegou Sun. Nem precisou, sua presença é atemporal e estou feliz com seus escritos. Quero meus privilégios por direitos legítimos.

    Continue, preciso demais, de mais.

    Raios de luz, dentuça.

    Sun.
    R.B.Cristante

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Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa