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A mão no ombro

Nunca fiz o tipo coitadinha, aliás, tenho fobia de piedade, seja a auto ou seja dos outros. Tenho pena de quem sente pena de mim.
Tachada de auto - suficiente desde pequena, onde já sabia qual meia calçar e como eu arrumava meu estojo de lápis de cor, cresci acreditando em mim e só.
Nunca fui de relaxar no banco do passageiro ou deixar ser conduzida. Tinha problemas em excursões de escola, em visitas a museus e parques, dizia sempre para minhas amigas:-“Venham comigo, eu tenho um caminho melhor!” e por mais que estivesse perdida e morrendo de medo de não encontrar a “tia” da escola, eu as convencia de que sabia exatamente o que estava fazendo e a emoção tomava conta. Quase sempre dava tudo certo no final. Quase, enfim...
Os anos se passaram e fui me tornando uma mulher incrivelmente segura e independente, cada vez mais dona de mim e dona das situações, certa ou errada, sempre dei um jeito de provar minha inocência e ouvir pelo menos um “é, pensando por esse lado, você tem razão.” Isso tudo infla o ego e destrói a alma. A solidão se camufla na auto - suficiência e em determinados momentos, o que mais desejamos é uma mão no ombro. Mas como quebrar um personagem consolidado e edificado por anos? Recuar, baixar a guarda, ah meu amigo, mais fácil defender o socialismo, me adaptar a autoflagelação, qualquer coisa do tipo, mas recuar não!

Em determinado ponto da minha vida, toda a minha onipotência se desfaleceu e eu pude encarar face a face minhas misérias e vulnerabilidade. Mulher maravilha não existe e pior, não sou eu. Nesse momento, onde o império desaba e você se vê como um ratinho no meio do furacão, o que te sustenta são as mãos no ombro. Percebi que uma mão no ombro em silêncio, pode curar muito mais que palavras elaboradas, delongas cansativas ou conselhos furados. O simples fato de estar ali, já o suficiente. A troca – e reabastecimento - de energia é tão efetivo, que  como uma transfusão de sangue, só que de almas, te põe em pé novamente.
Sinergia. Ah, como acredito em sinergia. A troca justa de coisas boas, a interação dos seres pelos simples fato de serem.
Depois daquela mão, especifica, eu recuei – acreditem, se puderem!- e baixei a guarda, para mais e mais mãos no meu ombro. E aprendi, acima de tudo, a estender as minhas mãos nos ombros que precisam de silêncio e amor.

“Give me your hand, now we walk”



Vital,V.

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa