Era fim de tarde, dessas de
agosto, a garoa fina e gélida arrepiavam meu corpo e cabelo. Eu estava com
preguiça, já não tinha meu velho Fiat na garagem e precisava urgentemente
comprar algo para comer.
Vesti seu casaco, aquele
desbotado e infinitamente quente que deixou por engano no fundo do meu armário.
Sai de casa, sob o céu cinza e molhado, desengonçada – como você me deixou –
com as roupas largas de inverno, com aquele colorido sombrio e brega que os
meros mortais usam nessa estação.
Caminhei encolhida pelos
quarteirões rumo ao mercadinho do bairro. Há tempos eu já não me
importava com chuva na cabeça, afinal, eu havia tomado coisas muito piores
nela. O frio já não doía a pele, ao contrário, amortecia a dor que sentia por
dentro. A solidão da cidade nesses dias confortava o vazio que sua ausência
causará em mim. A penumbra ornava com meu estado de espírito. Faziam alguns meses desde a sua partida e ainda mantinha sua
xícara em cima da mesa. Eu tenho essa mania estúpida de cultivar pessoas que
insistem em ir embora. Você tinha sido o melhor e o pior acontecimento da minha
vida... Até aquela tarde.
Entrei as pressas no mercado e
enquanto sacudia os cabelos com as pontas dos dedos, como um cachorro pós banho, sem perceber, molhava tudo ao meu redor, inclusive, ele.
Eu havia encharcado os livros
que estavam sob o balcão e tudo mais que se encontrava por ali.
- Desculpe, mas Bernardino
Telésio não sabe nadar! – disse rispidamente, o rapaz de pulôver engomado e
óculos embaçados.
-Oh, mil perdões! Sou um
desastre realmente, desculpe, desculpe... – desembestei a falar, enxugando os
livros com as mangas.
- Pode deixar, eu mesmo seco! –
puxou-os da minha mão. Caíram no chão. - Nossa garota, você é sempre tão
jeitosa assim?
- Me desculpe, não fiz por mal,
sou um desastre realmente... – abaixei-me para recolher, justificando minha
demência. Recolhi tudo junto a ele em silêncio, entreguei em suas mãos e sai de
cabeça baixa em busca de algum congelado. Vergonha de simplesmente existir.
Sai do mercado com as compras
nas mãos quando avistei um cãozinho acuado, aparentemente com a pata ferida.
Agachei para socorre-lo e minhas sacolas rasgaram, despencando tudo o que havia
comprado. O cão ficou feliz, eu sentei na calçada e me pus em prantos. Não
aguentava mais. Quando me dei por conta, o rapaz do pulôver estava sentado ao
meu lado, na mão esquerda um sanduíche e na outra um outro apontado para mim.
- Coma, é o primeiro alivio que
seu corpo precisa! Depois vemos o resto...
Sem questionar, peguei o sanduíche e engoli a seco, como cada lágrima que eu mandava de volta para minha alma.
Ficamos ali sentados por bons
minutos, junto ao cão.
- Eu prefiro Tomás Campanella! –
sussurrei.
- É nítido!- ele sorriu. –
Prazer, sou Pedro! – estendeu-me a mão, branca, magra, com longos dedos
pontudos.
- Eu era Lily, mas já não sei
quem sou! – respondi confusa, levantando-me do chão e deixando sua mão estendida.
- Deveria lembrar ao menos de
ser educada! – disse, roubando minha mão e a beijando. Meu corpo estremeceu e meu
estômago revirou. Fui tomada por pânico e sai andando sem olhar para
trás.
Chegando em casa, me despi de toda aquela
roupa molhada e me atirei de cabeça na cama. Aquele homem tinha mexido na cova
dos meus sentimentos, onde eu havia jogado terra e enterrado toda e qualquer
perspectiva de ser feliz.
To be Continued...
Vital.V.
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