Pular para o conteúdo principal

Morada

Você morou em mim. 
Você nem sabe, mas já morávamos juntos quando eu tropecei naquele fio em meio a Paulista, sai desajeitada e todos riram de mim. Você não, você sorriu para mim. Ali você já começou sua chegada. Na manhã seguinte eu mudei meu caminho só para tropeçar de novo, dessa vez não no fio, mas em você.
Você morou em mim nas padarias do fim do dia, se recorda? Cara, se felicidade tem sabor, era daquele pão na chapa que eu mal tocava de tantas borboletas que dançavam no meu estomago.
Você morou em mim no dia que fomos ao cinema assistir aquela regravação que você tanto gostava e eu fingia conhecer para me fazer interessante. Minha pele incendiava e meu corpo tremia, eu esbarrava meu braço no seu e dava estática. Sua pele me dava choque e seu sorriso adrenalina. Você era um “barato” e tanto.
Sua morada se expandiu naquele beijo que eu te roubei, porquê eu não tinha nada a perder, você já era meu tudo e de fato era tudo ou nada. E realmente nada... Nada fazia sentido sem você.
Você foi habitando cada pedaço do meu ser, em cada história dividida, cada memória construída, cada vaidade sucumbida, cada noite mal dormida e bem vivida, cada sonho validado, cada gosto revelado, cada retrato tirado, cada acorde inspirado, tudo isso meu te arrastou, pro meu mais blindado lado: o de dentro!
E você morou, bagunçou, enraizou e não ficou. Foi embora dessa casa, saiu pela porta levando sua tigela da sorte, o disco do Blink  e uma boa parte do meu coração.

E que coisa não? Mesmo não estando mais aqui, sua presença ainda mora em mim. 





Vital,V.

Comentários

  1. Aiiii V!
    Que textoooo!
    Parece real menina! espero que não seja uma história de amor que tenha chegado ao fim... fiquei encucada porém, deslumbrada com mais um conto de amor sem fim!
    Ó só, até rimou!
    bj pra vc.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa