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Trecho do novo projeto...


"... tragam mais água, rápido, precisamos de ajuda!!! - berravam com toda a força. O fogo já havia tomado todo o carro e em meio as ferragens, Otávio se movia com as últimas forças que lhe restavam, com os olhos fixados nos meus, lutava por mais alguns segundos de vida.
Voltávamos das férias improvisadas que resolvemos nos dar depois do nosso retorno. Ficamos cerca de um ano separados e voltamos decididos a nunca mais nos soltar. Foi o ano mais estranho e vazio da minha vida. Lembrei-me dos primeiros dias na praia paradisíaca que nos hospedamos, Tatá como eu o chamava, ficava deitado na rede, abraçando-me contra o peito repetindo de hora em hora o quão queria parar o tempo e ficar ali comigo. Fizemos amor em uma manhã e enquanto ele beijava meus olhos, sussurrou em meu ouvido: “Estou fazendo um filho em você principessa!”. Foi o clímax da minha alma. Por dez dias, resgatei toda a felicidade de um vida. Eu gostava de me ver refletida nos olhos negros de Tatá e do cheiro de jambo que tinha sua pele. A forma perfeita de suas mãos e o incrível encaixe que ela tinha em qualquer esfera do meu corpo. Sentirei saudades da voz, rouca e um tico cantada, como se vivesse em uma eterna preguiça. Também me fará falta a risada debochada que virava e mexia me invadia e tomava de alegria. Eu recuperei o amor da minha vida, e a vida me tomava ele ali. Vivemos nosso retorno em chamas de entrega e as chamas agora o consumiam na frente  dos meus olhos e eu nada, absolutamente nada, podia fazer.
Os bombeiros, o resgate, todos se movimentavam para tentar controlar o fogo que a colisão na estrada causou, mas eu sentia parte da minha alma se esvair, como numa queda, uma sensação de susto contínua.

As coisas aconteciam em câmera lenta e nossos olhos fixados só me faziam ter a certeza que não existiria um depois. Me desvencilhei da multidão e comecei a gritar para Otávio: “ Eu te amo e vou te amar pra sempre! Fica comigo, fica com a gente!”- Otávio olhou para minha barriga, sorriu e em um ultimo sussurro balbuciou: “Eu te amo!”(...)"


Vital.V.

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa