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A Morte


Entendo que perder alguém que se ama vai muito além de uma ausência afiada que perfura de forma bem aguda o coração.
Estende-se até o rombo que é deixado na estrutura familiar, 
    o lugar vago na mesa, 
       as roupas usadas há dias atrás, 
           a escova de dente meio descabelada na beira da pia,
              a voz que ainda ecoa por todos os cantos da casa, a
                   fotografia que congela momentos bons,
                      a música que ainda ontem era assoviada de forma desafinada,
                         o cheiro que ainda está no travesseiro, 
                                 o livro com a página demarcada. 
Tudo está ali. 
Menos você.

A morte é tão implacável que não pergunta se você disse o quanto amava, não permite cinco minutos para pedir perdão pelas inúmeras falhas , não espera as etapas da vida que aquela pessoa simplesmente precisava estar ali, enfim... 
Ela arranca o que está encarnado em você, derrubando seus pilares sem nem questionar se você suporta ou não.
E ai fico uma ausência silenciosa, tão barulhenta na alma que já não se dorme mais. Vontade do toque, do papo chato que fazia bocejar, das preocupações demasiadas com os valores e princípios, com as discussões que terminavam em risadas, na mão no cabelo que surgia na hora certa, do exemplo e da direção nos próximos passos. 
                            
E agora? 

Como se caminha, como se vive, como se é feliz sem você aqui? A vida me ensinou a te amar, mas a morte? Essa não me ensinou a viver sem você!
Demora, demora muito para a dor se tornar saudade; mas se torna! E fica belo. As recordações perdem suas teias de aranha e brotam ali flores. O luto se transfigura em nova luta, luta essa pra sorrir, tal qual sorríamos juntos.




Vital, V.

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa