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Em 2020 o mundo acabou.

Talvez você não se lembre muito bem e tá tudo certo com isso. Eu que tenho uma memória desagradavelmente impecável.  

O ano era 2020. 

Eu tinha um novo emprego, um amor bonito, quilos a menos e estava animada para meu aniversário de 30. 

Os jornais anunciavam o tal do vírus chinês e eu honestamente rolava as notícias fazendo minha habitual leitura dinâmica. Era só mais uma questão, dentre tantas questões, não é mesmo? 

Lembro de um antigo chefe sentar comigo e dizer: Estamos entrando num cenário pandêmico e nem você e nem ninguém faz idéia do que se trata. Mas cancele todas as reuniões e eventos presenciais. O mundo vai mudar.

E foi assim, em menos de mês, que o mundo colapsou. 

Virou de cabeça para baixo. 

Sorrir já não era mais um gesto gentil, agora era um ato de violência.

Abraços não eram terapêuticos, agora eram perigosos.

Estar com os amigos já não era certo. Era falta de senso humanitário.

Nossa família se tornou nossa maior fonte de contaminação.

O esporte agora era fonte de risco à saúde.

Os shows silenciaram.

As UTI's superlotaram.

Os grupos de riscos em forte atenção.

Os profissionais de saúde na linha de frente da operação.

O governo se atropelando e piorando toda a situação.

As empresas quebrando, o espetáculo da demissão.

"Fique em casa" se tornou oração. 

Relações se estreitando, rompendo ou não.

Medo e desinformação, sendo pilares de uma nova nação.

Ressignificar virou grito de guerra. 

Vistam suas máscara e vamos a luta.

Já faz mais de um ano, caro leitor, que o anormal se tornou um padrão. 

Grupo de risco caiu por terra, somos todos reféns de contaminação. 

Inúmeras famílias desfalcadas; de entes e pão.

Um governo negacionista, genocida e anti-ciência é o que temos na mão.

Um gole no álcool e um punhado em gel noutra mão.

Videoconferência e meditação.

Jogue online ou aprenda sobre fermentação.

Sedentarismo justificado e nova depressão.

Live sertaneja, copos de cerveja e saturação.

Segunda onda, fases multicoloridas e aglomeração.

Discursos tocantes e busca de clandestinos pela região.

Pornografia diária virou imersão. 

Saúde mental em ebulição.

Vícios ilícitos por descompressão.

Só não deixemos de lado os princípios e a religião.

A espera utópica da imunização.

Em 2020 o mundo acabou.

Vivemos então, o Apocalipse moderno com baixa emoção.

As contas vem alta, não sobra um tostão.

Mas nossos guerreiros nos ensinaram a enfrentar a situação:

Faça um TikTok e escreva um textão.


Vital, V.




Comentários

Os queridinhos.

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