Pular para o conteúdo principal

Temos

Temos pelos menos três séries interrompidas no meio. Afinal, tínhamos a vida toda pra assisti-las. A última temporada sai agora e eu honestamente não sei o que fazer.

Temos pelo menos umas 25 receitas que deixamos de fazer, porque naquele dia faltou um ou dois ingredientes. E agora eu não quero mais comer. 

Temos um mundo inteiro pra viajar. Culturas pra desbravar, pessoas à conhecer e estradas pra enfrentrar. E agora eu só quero ficar deitada no silêncio do meu quarto.

Temos uma filha pra conceber. Ela tem nome, características e até cheiro. Mas como ela vem sem você? 

Temos uma gata pra amar. Ela é arredia, arisca, mas muito inteligente. Eu to cuidando dela, mas você não tá desesperado comigo vendo ela destruir o sofá.

Eu não consigo usar pretérito pra nós. 

Não dá! Nós temos tanto... Nós somos tanto. Só não sei porque não somos mais “nós”.

Tenho tantas questões pra entender. Tenho tantas vontades pra conter. Tenho tanto desejo a esconder. Tenho tanto amor e não sei o que fazer...

Você foi. Mas ficou inteiro aqui. Em cada detalhe. Em cada milímetro do meu corpo, que foi dado a você. Em cada centímetro da minha alma, que enlaçou na sua.

Desculpe, mas não dá pra usar pretérito com você. 

Você é em mim todo dia. Todo tempo. É maior que tudo que já senti. 

Vou seguir sem você? Sim. Não há outra possibilidade. De onde a gente vem, seguir sempre foi a única opção.

Eu quero seguir sem você? Claro que não! É óbvio que não. É nítido que não. É gritante que não. 

Mas sabe o que eu mais tenho em tudo isso? Respeito pela sua decisão. Respeito pela sua sabedoria. Respeito pela sua essência. E se você não voltar, eu vou reaprender a andar e talvez até a sorrir, mas vou carregar pra sempre tudo o que ainda temos e não pudemos viver. 

E é tanto, meu bem, é tamanho...


Vital, V.

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa