O céu nunca esteve tão pulcro. O azul nunca foi tão capri,
brincando de ser celeste.
A brisa que sopra na minha janela nunca pareceu tão límpida,
vítrea.
O verde, que pouco consigo enxergar do nono andar do meu apartamento,
parece mais vivo do que em qualquer outro momento dos meus quase 30 anos.
O som dos pássaros, que eu já não ouvia mais, agora me
parecem intenso e desanuviados.
E as pessoas,essas me parecem tão mais especiais do que jamais
foram pra mim.
Estou sentada de fronte ao meu horizonte delimitado em 1,20
x 2,00, chamado também de janela apreciando com um
jazz de fundo e uma taça elegante na mão: o fim do
mundo.
Dói fundo, uma consternação a cada dia longe de quem amo. Lancina
a conscientização da realidade.
Só torna ainda mais burlesco esse texto, em forma de prosa, a catástrofe pandêmica em que
fomos arremessados e não conseguimos insurgir.
Mas qual barbárie não resulta em arte? Que dor não é
transposta em versos?
Seja em papel ou na fisionomia que carregamos a duras penas;
é arte.
A minha está aqui.
A cada palavra vomitada, uma gota de sangue escorre entre
meus dedos. Sangue dos que sofrem,
sangue derramado pelo despreparo de um governo genocida e irresponsável, sangue
derramado pelo descaso e indiferença de uma população desinformada e egotista,
sangue derramado com o abrir de porta, com abraços, com beijos e momentos compartilhados.
Esse sangue queima, reverbera e me envenena. Arde em mim uma
esperança. Singelos atos heroicos que só vi em filme. Desperta na alma uma nova
aurora, com novas cores e resgata um saudosismo dos tempos de outrora. Eu
choro. Eu bebo. Eu enlouqueço.
Eu me refaço cada dia sem um novo pedaço.
Dentro da minha
gaiola, trancada a sete chaves, eu luto para que você possa ser livre, meu
amigo passarinho.
Liberdade essa, que virá logo após
o fim
do
mundo.
Vital, V.
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