Pular para o conteúdo principal

Não preciso

Eu vivo me redobrando. Me desdobrando.
Me esticando. Policiando. Tentando...
Agora está silêncio. Já é tarde. Tem um blues tocando baixinho no som do carro. A cidade não para, assim como eu. Mas agora tudo está estranhamente silencioso. O moço que dirige o Uber diz que estou com cara de cansada. É um gesto de compaixão. Mas me faz refletir...
Eu vivo correndo! Corro, corro e corro. Como um ratinho de gaiola. Assim como ele, já nem sei pra onde estou indo, só sei que preciso correr. Rápido, ritmado e constante! 
Nesse exato momento eu zerei minhas notificações nas mil redes sociais que alimento e me alimento. Não há uma única janela no WhatsApp me chamando. 
Não tem ninguém precisando do meu trabalho.
Não tem ninguém precisando da minha atenção.
Não tem ninguém precisando do meu humor.
Não tem ninguém precisando do meu raciocino.
Não tem ninguém precisando do meu amor.
Ufa!
Por um minuto eu me pertenço.
Eu sou só minha. Ah que saudade de mim!
Não preciso agradar NINGUÉM. Não preciso estar pronta e nem saber o que dizer.
Não preciso ser eficiente e nem interessante.
Não preciso ser dedicada e desconstruída.
Não preciso ser educada e nem gentil.
Não preciso ser firme e coerente.
Eu simplesmente não preciso de nada.
Agora, nesse momento, sou eu e meu botões, eu e meus borrões, eu e minhas condições, eu e minhas confusões, eu e minhas distrações, eu e minhas paixões...
Sou eu, entre mil diversões, sou eu!

Que saudade do som da minha própria voz - interior, escrita, sentida.






Vital,V.

Comentários

Os queridinhos.

Eu precisava ter...

Eu precisava ter sido a última a ser escolhida para a festa junina durante toda a minha infância. Eu precisava ter tropeçado na quadra durante a educação física no último ano do Fundamental e feito todos os garotos darem risada. Eu precisava ter presenciado cenas de agressão física e moral dentro da minha casa. Eu precisava ter visto minha mãe chorar durante noites a beira da minha cama. Eu precisava ter deixado uma mala pronta no armário ao longo dos anos, caso precisasse fugir repentinamente. Eu precisava ter ouvido que eu não podia ir à casa da Vanessa, pois a mãe dela não aceitava colegas com pais separados. Eu precisava ter sido excluída da lista da festa de debutante da Dai pois não atendia ao padrão estético das outras meninas. Eu precisava ter me sentido a pior das garotas. Eu precisava ter enfiado o dedo na gargant a diversas vezes, pois tinha ódio do meu corpo e vergonha de mim. Eu precisava ter me submetido a relacionamentos abusivos por não me sentir dign

Eu chorei pelo sistema.

Uma tarde fria de um domingo qualquer. Tudo acontecia lá fora como sempre aconteceu. As horas passavam, as pessoas grassavam gozando do seu direito de ir e vir, a fome assentava, o medo imperava, a angústia antecedente a segunda adentrava, enfim... Só mais um dia “normal”. E eu chorei.     Não no sentido poético, não de forma alegórica. [ Foi literal, foi visceral] Venho chorando desde então   - dia após dia -   de forma lancinante e,  desculpem-me a sinceridade, mas um tanto quanto colérica. Eu já chorei com Homero, Virgílio e Cervantes. Também com Drummond, com Flaubert e Assis. Hoje eu choro com Coetzee, Trotsky, Amendola, Bakunin e Marx. {Choro as lágrimas de Brecht.} Choro o sangue de Spies ,Parsons, Fischer e Engel.   Choro  ainda mais pelo João, pelo Zé, pelo Sr. Pedro, pela Dona Maria, pela Luisa, pelo Oswaldo, pelo (...) . Choro pelos meus filhos – pobrezinhos - que nem gerados foram e já estão condenados a exploração. Choro pela injustiça masca

E de repente passa...

E de repente passa... A dor que esmagava o peito, tirava o ar, embrulhava o estômago, passa... A saudade que mastigava, que corroía, que desbaratinava  simplesmente passa... O medo que cegava, que infiltrava, que assombrava... Passa também! E tudo aquilo que achávamos que nos mataria, vai se esvaindo, assim, como um copo trincado que perde lentamente a água e quando nos damos conta, já está vazio. Eu me esvaziei de você e nem me dei conta. Quando lembrei de ter saudades, eu já não a tinha mais. Deve ter pulado para outro coração. A tristeza já não mora mais aqui e eu não sei de seu paradeiro. Espero que ninguém encontre. E você, que era meu tudo, simplesmente não é  mais nada. Nada além de um vazio gigante que ficou no lugar de sua partida. Não dói, não fere, nada. Só é estranho, esquisito não ter você aqui me tirando o sono. Essa paz ensurdecedora é nova, preciso me adaptar a ela, afinal, por longo período, a única coisa que conhecia de cabo a rabo era o mal que me fa