Eu dou uma garfada. Adoro esse sabor. Peixe assado. Me lembra
tempos de outrora. Tempo aquele onde eu não tinha medo de pensar, de falar e
mais ainda, não tinha medo de não os podê-los mais faze-los. A comida trava na
boca. Ânsia. De novo? Mais um dia me roubando o momento, o prazer, a serenidade.
Me levanto, cuspo o que não desce, pois, a garganta está cheia demais para essa
última garfada. Há tantos sapos, desaforos, gritos, que me obrigam a desfazer-me
de você, caro peixe assado. Passo mal.
Deito na cama. Ela é tão proporcionalmente quente e macia que
quase me sinto abraçada. Tenho um colchão novo. Resistente, massageia minhas
costas como numa grande sessão de shiatsu.
Meia luz, gosto assim. Sem roupa, me entrego ao leito que me aguardou
ansioso o dia todo. Estou tão cansada, tão fatigada, preciso esmorecer ali. Barulho.
Onde?
Na minha cabeça.
Desperto, com olhos cerrados, cabeça pesada e dores no corpo. E lá vem você me
roubar as poucas – quase mínimas- horas de sono que me são permitidas, nesse
sistema que me proporciona uma subsistência medíocre e conformista. Dói. O
barulho dói. Meu coração está acelerado. Respiro. Inspiro. Eu oro. Eu debocho
da minha oração. Eu caminho. Mas as pernas estão doloridas. Eu penso em tudo e
não vou a lugar algum. Eu corro, corro, corro e estou imóvel. Logo eu, que sempre
caminhei em passos largos, carregando tudo e todos nos meus braços, até então,
fortes. Apago sem perceber.
Penso nele. Ouço aquela playlist, aquela que ouvimos fazendo
amor. Me balanço, sorrindo em devaneios e recordações. Me sinto feliz e entusiasmada.
Fecho os olhos. Você aparece. E rouba tudo aquilo de bonito que estava em
minhas pálpebras. Enfia com força todas as neuras e paranoias, que nunca foram
minhas. São suas. Eu não as quero. Mas você não me dá escolhas. Me violenta sem
piedade. E agora eu estou sem ar.
Turbilhão de sensações, em um emaranhado de nós, que antes
tão claros e fáceis de desatar, agora desato em choros que nem sabia que me
cabiam.
As fotos já não têm o mesmo foco. As mãos tremem.
As risadas não equalizam mais como antes. Cessam rápido.
É, ansiedade. Você é o tufão que eu não esperava.
Mas calma, muita calma, mais calma ainda... Até a calma total
roubar esse espaço que eu nunca lhe dei. Que é meu, por direito e dele, faço
questão.
Vital,V.
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